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Os políticos que não entendem a arte

O CIAJG não é um projecto falhado e muito menos está à deriva – a programação é de uma qualidade e coerência intocáveis e reconhecida no meio artística nacional. Mas para perceberem isso os políticos tinham que entender qualquer coisinha sobre arte. Não sabem.

13 setembro 2018 > 22:16

Li na imprensa os ecos do espetáculo burlesco oferecido pelos dois candidatos a presidente de câmara mais votados das últimas duas eleições acerca do mais singular equipamento cultural que Guimarães alguma vez teve, o Centro Internacional de Artes José de Guimarães (CIAJG).

As declarações de ambos são completamente deslocadas da realidade. São injustas, extemporâneas e, em última análise, politicamente irresponsáveis. O CIAJG não é um projecto falhado e muito menos está à deriva – a programação é de uma qualidade e coerência intocáveis e reconhecida no meio artística nacional. Mas para perceberem isso os políticos tinham que entender qualquer coisinha sobre arte. Não sabem. Tinham que frequentar o centro também. E, exceptuando o período pré-eleitoral, não creio tê-los visto por lá.

Cada Santana Lopes merece o seu Frank Ghery e o candidato duplamente derrotado acha razoável que se tivesse gasto mais (!?) dinheiro no edifício – e menos em programação artística, concomitantemente – da Capital da Cultura para o tornar “icónico”. Aquele corpo ainda estranho à cidade e amplamente premiado parece não ser suficiente.

Pior ainda, diz sem vergonha que o CIAJG deve ser uma espécie de “pólo 2” do Serralves, um local por onde passam exposições em itinerância. É um sinal de completo desconhecimento do que se faz no centro e do papel que este tem no panorama artístico nacional. O CIAJG tem um programa próprio e único. Não é uma estrutura de acolhimento, é um centro de produção.

As palavras do presidente são mais graves atendendo às suas responsabilidades políticas. “A plataforma das artes não tem tido sucesso”, diz o político que mede o sucesso dos projectos culturais pelo número de bilhetes vendidos. Não creio que seja preciso dizer mais nada.

E di-lo num momento num momento em que o primeiro-ministro anuncia um reforço de investimento na Cultura para o Orçamento do Estado de 2019, oportunidade de ouro para a autarquia concretizar a intenção – justíssima – de um investimento do Estado central de forma permanente no projecto artístico do CIAJG. Como pode convencer os negociadores do Ministério da Cultura quem diz em público isto sobre o projecto que espera ver reconhecido? É uma demonstração de inabilidade política tão primária que fica difícil acreditar que tenha sido minimamente pensado.

É particularmente injusto o autarca quando afirma que o CIAJG não tem relação com a comunidade. Não terá, por certo, tido a oportunidade de ver a exposição “Objectos Estranhos” ou a retrospectiva monumental do Mestre Caçoila. Talvez não perceba sequer a importância de o centro se abrir a um evento como a Contextile, podendo acolher uma artista internacional da dimensão de Ann Hamilton – que, ainda por cima, trabalhou em tão grande colaboração com os vimaranenses.

À hora em que este texto chegará aos leitores, Germain Viatte, a grande figura da museografia francesa dá uma conferência no centro. Duvido que algum dos políticos esteja a vê-la. No próximo ciclo expositivo, Rui Chafes expõe no CIAJG, na mesma altura em que duas peças suas passam a estar no Centre Pompidou, em Paris. Os políticos deviam perceber a importância disto. Pelos vistos não percebem.

É, porém, a última frase do presidente da câmara que mais me chamou à atenção. “Os vimaranenses querem dar o seu contributo”, diz, prometendo nomear um “grupo de reflexão” sobre o centro constituído por “conhecedores da cultura em Guimarães”. O erro não podia ser mais rotundo. Este é um centro internacional, voltado para fora, destinado a fazer Guimarães relacionar-se com o tecido artístico nacional e do resto do mundo.

Seria a morte do CIAJG, na sua dimensão internacional, que esta reflexão fosse feita localmente. Guimarães já olha suficientemente de dentro para dentro. Obrigar o seu projecto artístico mais cosmopolita a render-se a esta lógica provinciana seria uma cedência de uma gravidade imensa.

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